KindS of Blue...: junho 2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dionísio e a cerejeira

Houve um tempo em que seu coração era uma tabula rasa. Não necessariamente sem qualquer experiência, como dizia Locke, mas um descompasso em uma partitura mal escrita. Inocentemente promíscuo e incapaz de discernir qualquer sentimento acima da linha de sua virilha.

Madrugada.

Todos os sons dormiram.

Para onde foi a festa daquelas ruas sujas? No meio da música pulsante e violenta, não podia ouvir o quase-sussuro que tanta falta lhe fazia. Bebeu, beijou, riu (falsamente), cantou... sem sentir nada. A vida deveria ser mesmo muito breve ali, como música de elevador - só se escuta até a próxima parada.
Aprendera desde cedo que seu laboratório era a noite; a solidão, sua amante, e o álcool seu melhor amigo. Mas tinha de voltar pra casa, desbravar outros mares.
Queria mais.

Na semana seguinte, um aniversário a comparecer. Amigo próximo, família simpática, fotos, bolo e sorrisos...
E ela.
Não! Não era, no entanto, a irmã do amigo. Era a vizinha - segunda casa à esquerda descendo a rua - e lembrou que já a conhecia de vista. (Re)apresentações, conversa rápida, risos e logo ele achava seu porto seguro.

Escolheu não escolher mais.

Era ela!, e seu nome era o canto das sereias, a celebração de Dionísio, o vinho mais macio e caloroso.
Acertava o curso de sua vida pelas mãos dela no leme corrigido.
Pelas mãos dela escrevia nova partitura.
As mãos dela criavam a luz.
Ela e sua boca, cerejas perfeitas.
Ela... sua ilha.

Seguiram viagem entre calmarias e rodamoinhos por cinco lindos meses. Descobriu nela o ir e vir de seus beijos como uma jornada sem volta. Nadou profundamente no oceano de eternas batalhas a vencer - batalhas invisíveis para ganhar seu coração.

***

Voltou à noite, ao asfalto.
Sua viagem acabara. O tempo passou sem pedir licença e sua ilha o deixou - pela primeira vez, não fora ele a deixar um lugar.
Mas era outra pessoa agora.
Escolheu o norte. Estendeu suas velas para partir sozinho. Porém, a solidão não era mais sua companheira: tinha, agora, a memória, tesouro que nenhum pirata ou abismo oceânico lhe tomaria.

A saudade trouxe-lhe o impossível ao toque das mãos.


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[Texto produzido por mim na faculdade para nota da AP1 na disciplina Atelier de Produção Textual, no ano de 2010]

terça-feira, 7 de junho de 2011

Palavras esquecidas, pessoas inibidas

Não sei por que, hoje vinha pensando no meio do caos de nosso trânsito: como sinto falta de um abraço amigo sincero! De pessoas que, por tempos, dei muito valor e soube estar presente com e para com elas, mas que se escondem não pelo medo de retribuir uma gratidão, mas pelas próprias máscaras que criam por cima de si mesmas.

Queria conseguir entender se pareço "chato" por ser sincero, por estar presente nas horas difíceis e hoje encontro uma baita contradição nisso tudo: mas "ser amigo" não é isso mesmo? Não é mesmo estar presente nas horas difíceis e mostrar-se incondicionalmente doado e solícito?

Será mesmo o destino de quem se mostra de coração realmente aberto ser esquecido ou rotulado como chato?

O que há no coração das pessoas hoje em dia, minha gente? Só mágoa, só a capacidade irrefreável de carimbar estereótipos na ficha do próximo! Por que as pessoas têm de se esconder em máscaras de "valores" que passam por cima do respeito e da consideração, mas quando lhes convém só querem exigir respeito para si mesmas?

Certas palavras foram esquecidas a muito tempo: "obrigado" e "desculpe", principalmente.

Há uma "síndrome do ego inflamado" - opa, doença nova que estou para catalogar! - que não permite às pessoas serem humildes e se calarem quando necessário, querendo sempre passar por cima da opinião de todos, querendo demonstrar um mundo de conhecimento e experiência que ultrapassam as linhas do respeito e do saber ouvir, seja através de atitudes desnecessariamente grosseiras ou que tentam impor superioridade.

Eu só queria que todo mundo vivesse em paz. Sem a necessidade de intrigas por razões fúteis, sem a incontrolável vontade de sempre querer ter a razão e passar por cima da história e dos sentimentos alheios.

Afinal, todos sangram o mesmo sangue.