KindS of Blue...: outubro 2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Carroça

Na avenida, o cavalo ia a seu trote
tão rápido quanto podia;
mas a fila de carros atrás dele
não sabia se passava ou se o seguia.

Seu condutor - sem espelho, é claro
não sabia pra onde olhar;
muito aflito, só esperava
um engarrafamento não causar.

Quem por ele passava, já ia gritando:
"-Sai da frente, animal!", ao buzinar
Enquanto o humilde senhor não sabia
se era com ele que falavam
ou com o amigo quadrúpede a lhe puxar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Fissuras do Falar

Mais uma nova discussão travada pelo casal. Um, nunca soube ouvir e impunha sempre suas verdades e vontades através do grito e do temer. O outro, assim como todos, sempre tentara mostrar caminhos, saídas que não sejam pelo temperamento explosivo daquele. O ar que apaga o fogo é o mesmo que o atiça.

Sim, e em algum momento, uma fratura, ou melhor, fraturas ocorreram. Os egos não suportaram suas próprias pressões e seus pesos acabaram por fazer ceder o fino teto do respeito que a convivência sustenta. E com a ajuda do espaço da casa, criaram uma cisma e demarcaram seus territórios tal como faz o animal a proteger lar e alimento.

E destas interrupções de discurso unilaterais, irrompem palavras do outro que, como uma avalanche, derruba toda e qualquer (re)ação, prevendo resultados, ensaiando novos discursos autoritários (dos quais já se sabe as resoluções), minando o sujeito com fúria, voz alta e imponência, isolando seus próprios ouvidos para o que o outro antes dizia. Isso se chama, antes de mais nada, falta de educação - e ainda um pouco mais além, uma constricção da fala que impede o rebento de novas soluções para o que quer que seja, deixando o interruptor para sempre envolto numa nuvem de agonia, como abelhas a zumbir insanamente em seus imprestáveis ouvidos. O diálogo será para sempre ausente, traçando un fino silêncio no limiar das oscilações de seus gritos.

E este ruidoso silêncio é o álibi do crime: aquele de jamais ter havido diálogo naquela casa tão bonita; pois o crime foi o próprio assassínio desta ação, o dialogar. O ar agora já não somente atiça o fogo: ele o alimenta para sempre.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ofício das coisas inominadas

ao versar, vou criando
e apalpando
as caixas místicas
do espaço de sonhar.

numa flexível curva,
entre letras e sons,
busco somente
o que não te interessar.

É isso a matéria da poesia?

Egoísmo de lugar

Todo pensamento que escrevo
é proporcional ao desejo
pelo tempo sem fim,
pelo silêncio, e pela paz
de desenhar linhas com marfim.

Tudo o que tenho é o ruído,
a ausência de uma significação
que para mim, é a fonte
o propósito, o dom de poder
escrever em cima deste monte.

Não há paz no ruído?
Para onde eu correr, o silêncio
é ausente. E nem na doce noite
tenho o rubor como companhia:
somente a memória do barulho-açoite.

sábado, 18 de outubro de 2008

Pequena

(para a Vívian)


Me lanço aqui, como um atrevido trovador,

para desenhar, na grande pauta
cósmica, uma simples ode
sobre tua beleza de ser.

Eu a abracei, como
um desespero de lembrança
atinge as correntes do
pensar, arremessado pela alegria
para o teu pequeno corpo.

Como me alegra ver de novo
teus cabelos longos em
tributos ao vento!

Sou contemplativo
aventureiro em escrever
de teus sorrisos, a doçura amiga.

Se pudesse, te puxaria
dos meus sonhos;
capturava cada uma
de suas cores, com afeto
e temperos de sons que só eu sei gostar

e devolveria com todos os
segundos de tuas poses,
faces, sorrisos e impressões,
sem classificar - apenas
com a pureza dos sentidos.

Tens a garra de uma águia
e a força de um leão
cuja presa é o sonho,
a meta é a felicidade e o combustível,
a paixão e a serenidade.

Vieste pequena como
os espaços entre dedos das mãos.
Hoje, não cabe em um abraço,
sendo demasiada grande
pra ocupar meu coração!


Estratégia

Conheço tuas fraquezas,
estudo táticas e movimentos.
Só eu posso te atacar.

Apreendo-me em teus medos,
tuas preferências e virtudes.
Só assim, posso te atacar.

Examino como um médico
teus pontos fracos, pormenores.
Só depois vou te atacar.

Me preparo - em punho, a espada
e lanço meus sussuros de guerra.
Só agora posso te atacar.

Agora
derrubo teus portões,
arrebento os grilhões.
Passei por teus úmidos muros
e sou reinante em teu espaço.

Assim, bem devagar
é que vou te atacar...

...com carícias, 
vou te deleitar.

você se rende agora?




sábado, 11 de outubro de 2008

Banco de carro


Sem saber se teus olhos
fecham ao alcance dos meus
ou me absorvem, em pequenos
goles de uma tácita luz,

Só nós dois, e a noite parou
na penumbra das carícias
nada fugazes.

Somos moral de nossa fábula
e travamos guerra santa, silenciosa
onde um (se) devora ao outro
com sede por sabor e paixão.

Sussuros nascem, cheiros
de bocas, apertos, toques, tesão.

Só assim, pequenininha,
é bom namorar nestes canteiros.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Olhos verdes

Chegando como fogo, fez meu juízo
convalescer.

Hoje, é mais presente
e me fez rejuvenescer.

Por quanto tempo, olhos verdes,
vou saber te conhecer?

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Zíper

Há muito mais a desvendar
além do espelho d'água,
da superfície de tuas roupas, meu bem.

Há muitos mundos, trilhas
a se explorar. Oceanos,
montanhas, escalar teus vales
como a sensação inesquecível
de toda primeira-vez.