KindS of Blue...: novembro 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Nudez e nada mais


Pintura de Giuseppe Dangelico



Aqui eu, na penumbra da minha companheira Noite, caçando fragmentos de luz que me deem o poder de escrever. Abro gavetas, subo em armários, quase até o teto em busca de minhas próprias máquinas de escrever: a luz que é a própria transcendência - reveladora, salvadora - se intromete na carinhosa escuridão que me abraça sem julgamentos.



E vem outra vez, com força e sem aviso
o velho desejo de nos despirmos por completo,
até mesmo dos trapos que mal cobrem uma
verdadeira essência - falha(mente) humana.
Nudez moral, sem máscaras ou papéis.

Tantas coisas, tantos padrões, eu's, adjetivos, vestes morais e amorais, leis, perfis (reais e virtuais), escudos, armaduras e ardis... Ainda bem que nos resta a solidão para, ao menos por um instante (ou numa noite quente de novembro), sermos.


Simplesmente, sermos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Flores mortas...?




É tempo de abrir gavetas.

Fazer um balanço do ano. Renovar minhas forças e descartar algumas energias negativas que insistem em se magnetizar em mim. Tempo de fechar gavetas. Jogar coisas fora, preservar outras, reciclar algumas talvez ("nossa, nem lembrava desse bilhete! posso aproveitar alguns versos aqui...").

É tempo de abrir gavetas.

Todos conhecem meu amor incondicional pela Música, mas por essa rotina louca que levamos hoje (também incondicional), esqueço de ouvir alguns (dos muitos) CD's que tenho. Nossa, sim, sou "louco" de ainda comprar CD's! Gosto da caixinha transparente de acrílico, como ela se encaixa bem ao fecharmos (não me desce de jeito nenhum esse negócio de hoje que chamam DigiPack). Gosto do encarte, da textura do papel, geralmente couchê... É como abrir gavetas. E sempre será importante pra mim.

Esta noite, reouvindo alguns aqui, me deparo com um que é um dos meus favoritos: da banda carioca de rock progressivo chamada Sleepwalker Sun (www.sleepwalkersun.com), pouco conhecida da grande mídia - mas é assim que bandas muito boas geralmente são. Lembrei de ouvir o CD. Lembrei o quanto gosto dele: do peso das guitarras aliado às belíssimas harmonias de piano e à doçura agressiva das letras temperadas por uma bateria tão pulsante quanto meu curioso coração. Lembro da arte do encarte: belíssimas gravuras de uma paisagem desbotada, triste, acobreada... uma casa velha, uma criança, uma cadeira de rodas, madeira estragada, folhas caídas, Vida e Morte, relógio quebrado...

Dentre as canções, sempre preferi a número 4 do disco, chamada "Dead Flowers", a qual transcrevo um trecho com a tradução abaixo:



"I am not quite sure I can open this drawer
I am not sure I can smell the dead flowers
Much to recover and this might make me cower
It make me uncover if what's mine is still ours"



"Não tenho certeza de que posso abrir esta gaveta
Não tenho certeza de que posso cheirar as flores mortas
Tanto a recuperar e isso me faz covarde
Me faz descobrir se o que é meu ainda é nosso"


Me deixo levar entorpecido pela força dessa canção. Pelo início tranquilo, com um doce vocal da cantora aliado a um piano fantasioso... pra depois entrar em alguns compassos de uma tempestade de emoções. E assim a canção vai se alternando, como um livro de poesias ora agressivas, ora românticas. E assim é a vida, a mesma velha emotional rollercoaster. 

Lembro, por causa desse verso, que é ainda tempo de abrir gavetas.

Abrir, deixar subir o cheiro do passado - às vezes amargo, agridoce, às vezes ensolarado, às vezes tão noite... Ah, tão sublime e alado!
Pois o ser humano nunca é completamente feliz com seu presente ou mesmo o tão sonhado futuro, e seguimos nossas estradas sem nunca deixar de olhar no retrovisor. É tempo de abrir gavetas, e tenho que fazer isso quase como um devir, uma pulsão que guia os passos de minh'alma aos templos que outrora ergui.

Seriam templos de flores mortas, afinal?

Talvez não. Flores não duram para sempre, mas os templos erguidos com suor e pedra podem conservá-las. Ouço novamente a canção e o CD inteiro logo termina. Abro velhas gavetas e lembro com um esboço de sorriso do tempo em que aprendi a ser corajoso, a quebrar o temor de me arriscar, alçar outros voos e mesmo a ser fraco à razão, deixar o coração me levar. Essa viagem sonora me abastece de energia criativa, de tesão pela vida e respeito ao passado. Em breve me vejo tocando uma bateria imaginária acompanhando a canção e balbuciando as letras. Fecho os olhos. Abro a gaveta mental e todos os bilhetes, sonhos, frustrações e forças dentro dela. Me sinto feliz, e estranhamente conformado. Não se pode ter tudo, mas visitar um sonho ajuda a aliviar uma porção da realidade. Mas calma! Realmente sou feliz! E o que nos faz tão "fortes" a ponto de querer negar o que já foi vivido? Nosso constructo precisa disso! É pão, combustível, água! Ninguém é tão bom que não tenha algo a guardar, afinal.

Guardo o CD e vou dormir.
Na minha cama, talvez ainda habite o cheiro de um templo sem pedra, mas de suor, calor e paixão.
Deixo-o ali, na gaveta. Pronto a ser aberto a qualquer sinal de saudade, ao invisível toque do impossível.

Pois, afrontando a letra da canção: o que é meu sempre será nosso, meu bem.

Tempo de fechar gavetas. Tempo de abrir gavetas...



sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Para um Mar...




Me perdi nuns olhos de quem mal me vê.
Tomado de assalto por um devir tão atrevido
quanto o querer saltar a distância do tempo.


Que distância? Não há limites
para o gostar-sem-rótulo,
o simplesmente admirar.
O segredo repousa sereno
neste mar-olhar
onde sou tão ínfimo quanto um grão
a somente contemplar.


O que um coração de fênix pode fazer
porquanto que é ciclo e não pode só uma vez morrer?
A resposta é sair voando até esses olhos -
pois seriam mesmo as janelas da alma
ou as portas do Paraíso?



O que me resta é
para sempre, ser azul:
tão somente o contemplativo,
o solitário céu pairando estático
no verde mar infinito
daqueles olhos perfeitos.





terça-feira, 1 de novembro de 2011

Aeternam Aqua





Céu fechado, dia bom.
As lágrimas translúcidas vão
Começar a cair pelas grandes
Pupilas dos olhos celestiais.

Passos curtos me mantém presente
Em cada partícula, em todo som
De rio corrente, cortina de luz
De gotas do céu, eterno afluente

E nesse ímpeto de me abrir
Trazendo junto o céu e o vento
A cachoeira das mãos vem e
Conduz sinfonicamente
O abrir das janelas da terra e da mente.


Deixar as grandes janelas do espaço e da alma se abrirem.
Nada mais divino. Nada mais humano.
Que a chuva venha, sem pressa,
molhar nossos dias, nosso amor e nossas agonias.



...... 


Certa você, querida Ana, em se deixar levar por tal "rebeldia" de se deixar molhar!
=)