KindS of Blue...: Um instante, bem ali

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Um instante, bem ali


Pouca gente imagina o quanto pode ser saudável, revigorante e reflexivo estar no meio do trânsito e parar o carro em alguma rua de repente, sem motivo e sem pressa, derrear o banco do motorista e ligar o som para ouvir música com tranqüilidade.
          
          Eis que ele fez tudo isso.
        
        Numa tarde de sábado, parou numa rua sem poeira ou barulho. Sorte, havia parado ao lado de um estande de vendas para um novo empreendimento imobiliário que ocuparia um quarteirão inteiro. Era um espaço amplo, o chão coberto de brita, algum pouco de grama aqui e acolá e uns dois pares de árvores. Achou o local agradável e fez dali seu pequeno valparaíso momentâneo. Certo que não pairavam ali um rio refrescante, ou árvores de se perder a copa de vista, ou mesmo uma fauna acolhedora... contudo, ele achou aquela esquina tão bela que era realmente uma jóia cravada no coração desta impiedosa selva de pedra.
          
        “E lá se vai mais um dia”, pensou com aquela velha canção do Milton Nascimento. Há tempos não sentia aquele frescor, liberdade e paz que todo mundo evita ter por medo de assaltos ou seqüestros-relâmpago. Mas que mal podia, meu Deus, acontecer-lhe naquela bela rua? É preciso libertar-se das correntes da apreensão, ansiedade pelo pior, que abate este rebanho urbano – eternamente condenado a traçar os mesmos caminhos nas mesmas horas. Pobres almas sem sonho!
          
            Mais uma vez, escalaram-lhe aos ombros as notas doces do piano daquele CD que tanto gostava de ouvir. Ah! a música instrumental sempre fora o néctar que sua boca não pudera saborear, e invejando os ouvidos – numa guerrilha sensorial – se abria a tentar cantarolar...
          
           Se não fosse o natural senso de alerta (que apesar da despreocupação ainda lhe estava ativo) pelas janelas abertas, talvez ele houvesse de cochilar ali mesmo. Às mesmas janelas que lhe expunham a fragilidade do medo, impusera-se um pôr-do-sol de uma cor quase canela entre os prédios, escoltado por um vento gentil lavando sua face. 

          Não queria sair dali. Por um instante, sentia um magnetismo atípico e queria livrar-se do peso dos compromissos, das horas marcadas e os destinos traçados por ruas certas.

“Besteira! Quero ficar aqui”.

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