KindS of Blue...: Fragmentos de tesouro

domingo, 27 de abril de 2008

Fragmentos de tesouro

"Assim é que se navega!", gritou o capitão para Jargo, seu marujo e fiel escudeiro. Logo em seguida, deu ordens para içar as velas à bombordo evitando os recifes e as pedras que rodeavam um banco de areia próximo; "Aye, captain!", respondia o marujo com satisfação em um brado que só aumentava sua força para puxar os cordões que içavam e recolhiam as velas.

Passando pelos recifes, o barco branco de madeira bem envelhecida - muito provavelmente de uma lendária sequóia encontrada em ilhas lendárias - passeava veloz e triunfante, porém fazendo um balé de suavidade quase tão imperceptível que mal tocava o lençol d'água do feroz oceano por onde deslizava.

Seus mastros eram tal altos quanto palmeiras; suas velas, de um azul da cor do mar e do céu, quase como um camaleão confundindo os olhos destreinados de caçadores iniciantes na selva. Ao sol, sua silhueta lembrava unicórnios, centauros, sereias e toda criatura mitológica que um dia possa ter inspirado heroísmo, coragem e sonhos dentro e fora de um mundo tão ilusório onde os olhos, lunetas e a fé não são suficientes para enxergar os camaleões da ciência e do coração dos homens cruéis, tendo por protagonista o oceano por onde o capitão navegava.

Bússolas reguladas, monóculos limpos, sua mente calcula e seu coração reza. "Bucaneiros à frente, capitão!", Jargo brada enquanto mobiliza os marujos a carregar os canhões e se preparar para o combate. "Sou um velho cão do mar, rapaz. Não se preocupe. Se eles atacarem, vamos fazê-los alimentar os peixes!"

"Yo-ho-yo-hoooooo!", responde a tripulação em um bravo coro.

O brado heróico e de preparação só é interrompido pelo urro maior dos tiros de canhão da embarcação se aproximando. Um dos tiros passa bem próximo à vela principal que, de antes azul-camaleônica, passou a ser bem visível pela fagulha deixada em seu tecido. "Atirem, marujos! Atirem com vontade como se não tivessem fígados!", gritava o capitão anunciando o início da aventura. Mais tarde os dois barcos se aproximam, cordas são atiradas de ambos os lados e a invasão começa junto à luta corporal, tiros de carabinas e espadadas.

No meio dos gladiadores marujos, os capitães dos dois navios agora estão frente a frente.
Terror e fúria nos olhos. Mãos nervosas sacam as espadas da bainha.

"Este navio é meu, velho marujo. Desista!"
"Ninguém... ninguém vai tomar este navio enquanto eu ainda for homem e tiver um fígado para beber rum até cair. E se eu cair, que seja por este rum, e não pelas suas mãos!!!"

Os dois avançam. Posturas perfeitas de ataque.

Espadas a postos,
lentamente fazendo curvas no ar.

Dentes rangendo e olhos atentos, calculando cada movimento.

Elas vão se encontrar quando...




Escuridão.

A tela à sua frente apagou-se - queda de energia no bairro inteiro... E ele nem sequer pôde ler a mensagem de Game Over, ou mesmo finalizar o programa, salvar as alterações nos seus arquivos ainda abertos e encerrar os downloads em progresso.

Mas para não ter um final triste, juntou seu salário por algum tempo, fez economias e então, dois anos depois, comprou um barco a vela. De verdade.

E saiu por aí a caçar tesouros.


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