KindS of Blue...: O propósito de Shiva

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O propósito de Shiva

A única coisa que conseguiu soar mais pesada naquela noite além do estrondo da porta se fechando foi o eco quase inaudível da frase “Eu quero terminar”. Como na silenciosa maneira dela se sentar ao sofá, jamais cruzar as pernas e olhar pra baixo, de ombros caídos e olhos ferozmente indecisos. Como em todos os outros dias, onde ela falava tudo pelo silêncio.

-Até que ponto você vai com um homem?

-Não entendi a sua pergunta...

-Não seja sonsa... Você não é mais criança – ou ao menos eu acredito que não seja mais.

-Estúpido.

-Até que ponto você vai com um homem? Heim? Me diga! Até o ponto em que você perceber que ele não pôde te dar o que você queria por você achar que ele não te quer mais simplesmente por ele não poder te ver todas as noites, ah sim, porque ele é responsável e tem obrigações e tem que ir pra casa estudar e dormir, pra trabalhar no outro dia? Ou por você ver que, realmente, é você quem não reconhece as mínimas coisas que ele faz pra te agradar, pra fazer você se lembrar dele com carinho nos mínimos gestos?

- Não é nada disso...

- Então O QUE É? Me diz, AGORA! Vai! Que “ciclo” maldito é esse?

- Não tem ciclo, querido...

- Como não tem? Um dia você me quer, outro dia faz tudo parecer não ter existido...

E ainda sou seu “querido”? Você não prefere aquele seu “anjo salvador”, que veio pra te salvar das minhas garras maléficas?

- Que garras?

- DO MEU AMOR, PORRA! – ele gritou, como jamais havia gritado antes em sua vida.

- Pára com isso...

- Não, não vou parar, porque isso te convém... Você quer continuar a viver na sua prerrogativa adolescente de “curtir” e não percebe o que você faz com as pessoas? No começo, ah como era! No começo você queria me ver todo dia, era um tal de “te quero, sinto sua falta”... Agora, o que eu sou? Que merda eu sou pra você?

- Você é muito importante na minha vida!

Apreciar aquela última frase foi como um vinho para ele: suave, porém frio. Foi suave como a ausência de uma porta sendo fechada violentamente por ele, que saía daquele apartamento para nunca mais voltar.

Mas ele sabia que – e quem – iria voltar. “Construir, destruir, renovar... tudo é como um ciclo natural, e alguém sempre vai ter de perder. Mas vencedores não necessariamente ganham” – pensava ele.



A única coisa que conseguiu soar mais pesada naquela noite – além do estrondo da porta se fechando e da fatídica frase – foi o silêncio da felicidade dele. Um palhaço que, assim como todos os palhaços, não importa o quão sua vida esteja confusa, sempre termina o espetáculo rindo de si mesmo.

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